Por Dentro – Diário do Nordeste

Dra. Daiane Rocha coordenou módulo sobre halitose no XV Congresso Cearense de Odontologia, que teve como tema central “A Odontologia a Serviço da Comunidade”
Publicado em 18 de maio de 2003

Cerca de 40% da população brasileira é acometida pelo popular ´mau hálito´ crônico. Sérias restrições sociais e profissionais, constrangimentos e até problemas psicológicos são causados pelos inconvenientes maus odores bucais, segundo registra a primeira pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas dos Odores da Boca. Pela importância do tema, o XV Congresso Cearense de Odontologia, que será encerrado hoje, no Centro de Conveções Edson Queiroz, destinou um módulo para debater sobre os problemas decorrentes da halitose, com a coordenação da Dra. Daiane Rocha, especialista na área. Longe de ser uma doença, o mau hálito é um ´sintoma´ de que algo não está bem no organismo. O estresse, apontado como um dos fatores que causam o problema, contribui para a redução do fluxo salivar e a presença de saburra lingual, além dos problemas sistêmicos e uma alimentação equilibrada

Viva – Por se tratar de um sintoma e não uma doença, geralmente quem sofre de halitose não sabe. Por quê?

Dra. Daiane Rocha – Isso ocorre por se tratar de um mecanismo natural de defesa do organismo, onde as células responsáveis pelo olfato se adaptam ao odor, por tolerância. Assim, o epitélio olfatório rapidamente se cansa ou fadiga (em questão de segundos), acostumando-se a esse odor e falhando na sua percepção (“fadiga olfatória”). A maioria dos portadores não tem consciência do problema.

– Quais os fatores que podem desencadear o mau hálito?

Dra. Daiane Rocha – São mais de 50 causas cientificamente comprovadas. Pode-se dizer, em linhas gerais, que as causas são quase sempre bucais, tendo ou não associação com problemas orgânicos. Entre as causas estão: as fisiológicas: hálito matinal, tipo de halitose causada quando o indivíduo passa longos períodos sem se alimentar ou por alimentação (cebola, alho, leite e derivados, carne vermelha, atum, enlatados em geral, frios…); patológicas (bucal ou sistêmica, como as periodontites em geral, cáries muito extensas e má-higiene, pouca saliva ou baixo fluxo salivar, assim como a presença de saburra lingual. O envolvimento sistêmico pode está associado a problemas de infecções no trato respiratório, problemas intestinais avançados, cânceres em geral, estresse, eructações gástricas ou arrotos, refluxos frequentes, pacientes com hérnia de hiato. Assim como os fumantes, adeptos de bebidas alcoólicas, portadores de diabetes, doenças auto-imunes, uso de drogas e a carência de algumas vitaminas.

– Como o estresse influi no agravamento do problema?

Dra. Daiane Rocha – O estresse aumenta a produção da substância adrenalina e sua liberação provoca inibição do funcionamento das glândulas salivares causando queda na quantidade de saliva. Causa um aumento na formação da saburra lingual, gerando a produção de gases à base de enxofre, extremamente voláteis e de odor desagradável.

– O que fazer para elevar a quantidade de saliva na boca?

Dra. Daiane Rocha – O maior problema da “boca seca” é a desidratação, fator que gera uma maior descamação nas células das mucosas (gengiva, bochechas, palato, lábios), que servem como material para promover a aglutinação de restos alimentares, muco salivar (parte mais grossa da saliva) e muitas bactérias. Para elevar a quantidade de saliva vários procedimentos podem ser realizados, desde o aumento na ingestão de água, alimentos fibrosos, até vitaminas A e D (principalmente a D). Em casos mais extremos, recomenda-se o uso de medicação forte (pilocarpina). O importante é saber que existem muitas possibilidades.

– Quais as consequências decorrentes da saburra lingual?

Dra. Daiane Rocha – A saburra é uma das maiores causas do mau hálito. Trata-se de uma espécie de placa branco-amarelada que se desenvolve sobre a língua, resultando da união de restos alimentares, células mortas, muco salivar e inúmeras bactérias, gerando a produção de gases mal-cheirosos à base de enxofre. Por se acumular mais na porção posterior (base) da língua, sua remoção torna-se difícil. A escova dental nem sempre chega nessa região e, quando chega, geralmente, provoca ânsia de vômito.O uso de limpadores de língua seria o mais recomendado. Esses produtos geralmente têm baixo custo, boa durabilidade, são de fácil uso e podem ser encontrados até mesmo em farmácias e supermercados. Em alguns casos de saburra mais abundante e espessa, é ainda recomendado o uso de outras substâncias para limpeza lingual. Outro problema para a saúde, é que os microorganismos que produzem toxinas perigosas que, caindo na circulação sanguínea, podem provocar até mesmo uma parada cardíaca.

– Até onde a alimentação influi na qualidade do hálito?

Dra. Daiane Rocha – A dieta é fundamental para o êxito do tratamento. Não se trata de dietas rigorosas, nutritivas, para perder peso e sim, de se evitar alimentos que contenham odor forte ou que possam causar queda de fluxo salivar, além de introduzir alimentos que estimulem a salivação e que promovam limpeza da saburra lingual de forma mecânica. Deve-se evitar, dentre outros: alimentos com excesso de gordura animal ou proteína, frituras, frios, leite e derivados em excesso (especialmente para pessoas que tenham intolerância), cebola, alho e condimentos muito fortes em geral, refrigerante, álcool, alimentos com odor muito carregado em geral. As fibras são essenciais, assim como alimentos aquosos – como a melancia-, os alimentos cítricos e os ricos em vitamina D (com moderação), além da ingestão de água. A macã é um alimento fantástico para combater a halitose.

– Por que o uso de soluções para bochecho pode ter efeitos colaterais?

Dra. Daiane Rocha – Os enxaguatórios até dão uma sensação de limpeza e bem-estar, e muitos deles são ótimos para minimizar o acúmulo de placa e o risco de cáries. Porém, para o hálito, eles não contribuem e podem até piorar o problema. Os enxaguatórios bucais geralmente possuem álcool em sua composição, alguns até em proporções muito altas (38%). Na verdade, não é que os bochechos não sejam bons, mas o álcool que eles contêm gera uma enorme desidratação na boca, baixando o fluxo salivar, aumentando a descamação de células e gerando maior produção de saburra lingual. Com isso, pode-se dizer que eles contribuem para o aumento da halitose. Apenas duas ou três marcas estão livres desse problema. Caso se julgue necessário o uso de enxaguatórios, deve-se ler atentamente o rótulo do produto e dar preferência sempre a um sem álcool em sua formulação.

– Qual o papel do halímetro no diagnóstico?

Dra. Daiane Rocha – O halímetro (Halimeter) é um aparelho de alta tecnologia, desenvolvido pelo maior estudioso vivo na área de halitose, Dr. Mel Rosenberg (Tel Aviv – Israel). Ele é capaz de medir a quantidade de substâncias sulfuradas no ar expirado, possibilitando avaliar, de forma quantitativa, a gravidade do problema. O mau hálito não é causado apenas por compostos sulfurados, mas principalmente por eles, e estes o halímetro mede, em “ppb” ou “partículas por bilhão” (ou seja, com extrema sensibilidade).

– Seu uso é mesmo essencial?

Dra. Daiane Rocha – Esse aparelho é muito importante para confirmar o que foi analisado e diagnosticado em consulta, não podendo, porém, substituir a aferição do hálito pelo olfato humano (o chamado “teste organoléptico”). A halimetria (medição do hálito) faz parte dos exames realizados durante o tratamento de halitose. Não diagnostica em si o problema, mas confirma o diagnóstico real, que é dado após toda uma anamnese com histórico dentário e orgânico do paciente, teste salivar, teste de pH, pesquisa de hábitos pessoais e alimentares e um rigoroso exame bucal, podendo ainda ser necessário a realização de exames complementares. O halímetro tem papel fundamental para o paciente, para que possa ver a regressão de seu caso em valores concretos, dando mais segurança a ele dando maior credibilidade ao tratamento.

fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=77649

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